De todos os argumentos que escuto quando alguém me diz que é
contra o casamento gay, tem um que me enoja mais do que todos os outros.
Geralmente a conversa já não é muito agradável quando chega
a esse ponto, mas começa assim: "Mas um casal gay não pode ter
filhos!" (e não é essa fala estúpida ainda). Eu nem responderia falando de
adoção, porque geralmente a pessoa se mostra ainda pior ao entrar nesse
assunto; eu diria apenas que as pessoas não são obrigadas a ter filhos, que as
pessoas não querem viver juntas só pra por mais gente no mundo. Mas depois
disso, certamente a coisa começaria a ficar séria:
"Mas isso não constitui família!"
Depois de desejar uma lobotomia por alguns segundos, eu
abriria um belo sorriso querendo questionar a pessoa, mas não é necessário.
Geralmente, ela mesma fortalece sua baboseira anterior com:
"Apenas um homem, uma mulher e seus filhos podem
constituir uma família!"
É essa! É essa fala estúpida que me tira do sério.
Respiro fundo e volto no tempo. Quando eu tinha 10 anos,
meus pais se separaram. Foi o melhor a ser feito, e foi o que eles fizeram. Era
2004 e eu e meu irmão passamos a morar apenas com minha mãe. Percebíamos que
mesmo décadas depois da conquista do "desquite", algumas pessoas,
principalmente mulheres, olhavam torto para minha mãe, como se ela fosse algum
tipo de impureza.
Tenho uma forte lembrança de um acontecimento no ano
seguinte. Eu, minha mãe e irmão fomos a igreja e lá começou um sermão sobre a
importância do matrimônio e de manter a família acima de tudo. "...
realmente se esforçar, porque você deve que se dar totalmente ao
matrimônio..." Os olhares começaram a metralhar minha mãe; as palavras
também. Ela se sentiu como o Frankenstein correndo das tochas. Pela primeira
vez minha mãe fez o que eu pedia todas as vezes, foi embora antes da celebração
chegar ao fim. Não porque eu pedi, mas porque sutilmente a expulsaram.
Eu não vejo na minha rua, ou no meu bairro, uma casa com
mais risadas do que a minha. Não é querendo me gabar, mas minha mãe e meu irmão
são as melhores pessoas com quem eu poderia estar agora. Eu amo meu pai, mas
não acho que falte alguém nessa casa. Ela está muito bem assim, está completa.
Se minha mãe, eu e meu irmão não constituímos família pela
falta de um modelo patriarcal, eu tenho uma coisa pra dizer a todos que se
preocupam com o padrão de família: eu estou muito bem assim, longe do único
padrão aceitável nos anos 20 e longe da sua família. Na minha casa eu não vejo
um modelo de família, mas eu vejo gente que se ama. Pena que isso não conte
para seus padrões.
Corrigida por Brina Gaspar